“Joga pedra na Geni, Ela é feita pra apanhar, ela é boa de cuspir”


Décadas após o movimento feminista colocar na ordem do dia a bandeira ‘direito ao próprio corpo’ deparamo-nos com o triste episódio de humilhação de uma aluna na Uniban por causa do uso de uma mini saia. O direito de dispor livremente do próprio corpo foi e é uma bandeira que pretende incluir não só direitos como contracepção, aborto e liberdade sexual, mas também o direito de se vestir da forma como se deseja sem ter como conseqüência agressões, hostilidade e violência de todos os tipos. O caso ocorrido na Uniban mostra o quão distante estamos de conquistar minimamente esta autonomia, em contraste com o discurso dominante ‘pós-feminista’, que carrega a ilusão de que a igualdade plena entre homens e mulheres já teria sido conquistada e que portanto a luta feminista não faria mais sentido. O caso é uma demonstração da truculência do machismo - cujas manifestações precisam ser duramente combatidas - e da atualidade, para não dizer urgência, da continuidade da luta feminista.

Porque aquela roupa incomodou tanto?

Nossa sociedade estabelece um padrão de vestimenta aceitável para as mulheres. Por um lado condena-se a pouca exposição do corpo, considerada, em muitos meios, símbolo de conservadorismo e de pouca feminilidade. Os decotes, as pernas a mostra são tidos como símbolos da beleza feminina que permite uma exposição do corpo que pode ser “apreciada” pelos homens. Por outro lado, essa exposição deve seguir uma série de normas. Idade, lugar, peso, determinam o grau de exposição. A exemplo dessas normas encontramos o seguinte comentário sobre o caso em blog que comentava o evento: “O comprimento do vestido não me parece, realmente, nada demais. Ainda mais que ela tá com tudo em cima, então vamos lá.” Se não estivesse com tudo em cima, não poderia usar.

As discussões sobre se era ou não apropriado o uso da roupa e sobre o tamanho do vestido mostram-nos a face perversa de uma lógica que tende a culpabilizar a mulher pelas violências sofridas. Muitos/as foram os que culpabilizaram X pelo ocorrido, argumentação tipicamente machista utilizada para justificar estupros e diversos outros tipos de violências cometidas contra as mulheres. Devemos reafirmar que nada justifica aquele tipo de violência e condenar toda forma de culpabilização feminina nesses contextos.

Outra face perversa de muitos discursos sobre o evento é a idéia de que a própria mulher não tem autonomia para decidir. Na comunidade do Orkut da Uniban o tópico referente ao ocorrido é: “Sou a favor da expulsão da meretriz loira”. Um dos participantes comenta: "vamos aplicar os fatos na vida de todos: quem aqui deixaria a filha, namorada ou a mãe ir para uma universidade vestindo uma microsaia que ao sentar mostra suas partes intimas? se ela fosse a praia com uma microsaia ninguém ia chamar de puta! mas ela estava em uma universidade repleta de jovens com hormônios a flor da pele!! quantas garotas vão a universidade, ao trabalho, a igreja, etc... com microsaias? ela queria chamar atenção e conseguiu! ter fama de santinha, garota de família é que ela não ia conseguir vestindo uma microsaia". Os fatos da vida são claros: nós mulheres precisamos de autorização de nossos pais, irmãos, companheiros para usar determinada vestimenta. Seguindo essa lógica a “loira da Uniban” aparentemente não tem um “homem” que a impeça de usar a roupa que bem entender e nessa lógica bárbara não tem dono, já que as mulheres não são donas de si próprias e assim é ameaçada de estupro dentro de uma universidade.

O uso da minisaia faz com que Geysi Arruda entre na categoria de “puta”, “vadia”, um objeto com o qual pode-se fazer qualquer coisa, inclusive estuprar como foi proposto naquele contexto. O corpo da mulher é visto como um objeto a mercê da vontade masculina. Ao que tudo indica a aluna ao parecer ignorar os gracejos dos alunos - que ao a verem de minisaia sentiram-se no direito de “mexerem com ela”- despertou a ira dos mesmos. A questão então não é apenas a expressão de um moralismo retrógrado que, sem dúvida encontra-se arraigada nos valores de nossa sociedade. Mas trata-se do desejo de dominação do corpo da mulher. A questão é a autonomia das mulheres, se a aluna tivesse atendido aos gracejos dos alunos, a truculência talvez não teria ocorrido. Desse modo, até mesmo os gracejos podem ser entendidos como uma forma de violência. O estupro cogitado em meio a mobilização truculenta coletiva representa uma maneira de punir a aluna, ou qualquer outra mulher, que não se coloque a mercê da vontade masculina. O fato comprova que infelizmente a divisão que se impõe a mulher entre “moça donzela” x “puta”, embora tenha ganhado novas roupagens continua arraigada nos valores de nossa sociedade. Ao vestir roupas consideradas inapropriadas a garota ficou exposta ao descontrole de uma massa de homens e, ao que tudo indica, não pôde encontrar solidariedade nem mesmo nas mulheres, algumas das quais certamente a condenaram por comportamento inapropriado.

Devemos rechaçar com veemência este tipo de manifestação e expressar coletivamente nossa indignação.

Conclamamos tod@s a construir um ATO CONTRA O "CAÇA AS BRUXAS" na Uniban de São Bernardo na sexta-feira, dia 13/11 às 18:00. Não podemos deixar passar um branco um fato bárbaro como esse.

“Direito ao próprio corpo!” “Abaixo a violência contra a mulher”

Coletivo Feminista – Campinas

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