Questão do Aborto no Brasil - Entrevista com Débora Diniz

Entrevista realizada por Larissa Lisboa - integrante do Coletivo Feminista

Débora Diniz é doutora em Antropologia, Professora Adjunta da Universidade de Brasília e Pesquisadora da ANIS (Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero). Autora da pesquisa “Aborto e Saúde Pública. 20 anos de pesquisa no Brasil” em parceria de Marilena Corrêa (UERJ), financiada pelo Ministério da Saúde.

Coletivo Feminista: A Anis é uma Ong voltada para discussão da Bioética. O que é bioética e qual o seu papel dentro desta organização?

Débora Diniz: Bioética é um campo novo. Olhando os diferentes outros campos, algumas pessoas acham que é um campo da saúde. Na verdade, nós definimos como campo da ética social aplicada. Então, trabalha com os grandes conflitos morais, como o aborto, direito de poder, acesso de metodologias reprodutivas, por exemplo.
O que a ANIS faz são ações tanto de capacitação como de pesquisa, quanto de ações políticas. Nós somos uma Ong e trabalhamos em parceria com a sociedade. Quase todas nós, somos pesquisadoras ou professoras ou alunas da Unb ou em outras universidades do Distrito Federal.
Nós assumimos como pauta esses temas que são de interfaces fortes e sempre voltados para a saúde ou para os direitos humanos.
Eu fui uma das fundadoras da ANIS e hoje sou pesquisadora aqui dentro.

CF: O trabalho de vocês é mais voltado para a questão da mulher?

D: Não apenas mulheres. Gênero no sentido amplo. Então, nós temos estudos por exemplo sobre sexualidade e homofobia. Na verdade diria que é mais uma categoria sobre desigualdade, porque nós tínhamos, inicialmente, um viés muito forte do feminismo com mulheres. Mas hoje, nós temos questões como deficiência, ensino religioso, e estado laico também. Essas são algumas das pesquisas que a ANIS faz.

CF: Falando sobre o seu projeto, o CEFEMA (Centro Feminista de estudos de Assessoria) trás em seu site uma síntese do que diz ser o ‘Mapa inédito do Aborto no Brasil’. “Aborto e Saúde pública. 20 anos de pesquisa no Brasil” é um projeto em parceria com a Universidade de Brasília e Universidade Estadual do Rio de Janeiro, financiado pelo Ministério da Saúde.
Nós gostaríamos de saber como é o projeto. Como tudo começou?

D: O projeto veio de uma idéia a partir das declarações do Ministro Temporão, quando ele dizia que o aborto é uma questão de saúde pública. Na verdade, qualquer afirmação, tanto no campo da saúde ou das políticas públicas, você precisa de evidências. Evidências para dizer por que você precisa combater a desigualdade, com uma bolsa escola ou uma bolsa família. Então, assumir que o aborto é uma questão de saúde pública implica em medidas efetivas de políticas de saúde. Mas a partir de que evidências?
O debate no Brasil é bastante fragmentado, porque é repleto de certezas religiosas, morais, de que na verdade o aborto é um atentado contra a vida ou que o aborto é um direito das mulheres, que o nosso corpo nos pertence. Não que não sejam teses importantes, no entanto, o caminho para uma política de saúde caminha pelas evidências.
Nossa proposta foi, partindo de uma metodologia que se chama metasíntese, muito próxima do que a saúde pública chama metanálise, propor ao Ministério da Saúde, de uma maneira neutra, imparcial, recuperar 20 anos de tudo o que o Brasil publicou sobre o aborto. Nosso marco é a constituição de 1988, em todos os campos disciplinares. Tudo o que produziram sobre o aborto e que era passível de recuperação (periódicos, teses, dissertações, artigos). Nós não recuperamos artigos de jornal, mas na verdade, artigos científicos, acadêmicos. Recuperamos 2.165 referências. Disso, nós analisamos todas aquelas que tinham estudos empíricos. O que são estudos empíricos? Se houve entrevista com alguma mulher; se analisou algum prontuário; alguma lei; se fez qualquer estudo de dados da realidade. Os dados corresponderam a 30% dessa amostra. Desse universo, nós analisamos e mostramos a tendência desses resultados.
Portanto, o nosso objetivo com este mapa de estudos brasileiros sobre aborto era olhar para trás, consolidar o que foi feito, para fundamentar o que é possível fazer a partir de agora.
A política de saúde no Brasil, que tem o marco dos direitos humanos, e que vai levar adiante o debate sobre a descriminalização, ou a legalização ou o reconhecimento do direito do aborto, tem que partir das evidências disponíveis pelos melhores cientistas brasileiros. E o que nós encontramos foi que, na verdade, em relação a essas perguntas, quem são essas mulheres, onde elas estão, como elas fazem o aborto, que idade elas têm. Ao dar um perfil a essas mulheres, o objetivo era deslocar o debate do aborto, de uma certeza religiosa, de uma certeza moral, para um debate democrático e de políticas públicas.
A nossa intenção é qualificar o debate público, devolvendo o ônus para quem acredita que não temos evidência. Temos. E elas dizem isso. Quem quiser entrar no debate agora, tem que conhecer o nosso trabalho, primeiro.

CF: O fato do aborto ser ilegal no Brasil trouxe muitas dificuldades para a pesquisa de vocês?

D: Trouxe muita dificuldade aos pesquisadores. Para nossa não, porque todas as divulgações o Estado criou em periódicos e publicações. Mas essa é uma pergunta importante, porque o fato dele ser ilegal dá um marcador sobre os estudos do aborto no Brasil. Quem é que fez pesquisa? O médico e a enfermeira, que estava na beira dos leitos, que atendia essas mulheres e coletava os dados. Nós não temos estudos sobre clínicas ilegais de aborto no Brasil. Nós não sabemos como essas mulheres fazem. Nós não sabemos o que acontece no universo rural. Nós não sabemos como se aborta na região norte. Ou seja, se distribuiu as pesquisas sobre aborto com uma distribuição do conhecimento no Brasil praticamente em São Paulo e alguns estados do Sul e Nordeste. É o que nós sabemos sobre aborto. E vinculados em profissões de assistência às mulheres em situações de aborto. Coletava-se o dado da mulher que chegava no pronto-socorro, em situação de abortamento. Perguntava quem ela era, qual sua idade e religião. Nós temos poucos estudos fora do SUS.
O problema não esteve na nossa pesquisa. O que nós pesquisamos foi publicado. Mas coloca novos pesquisadores na trincheira.

CF: A senhora é a favor da legalização do aborto?

D: A melhor resposta para esta pergunta seria que o Estado, verdadeiramente democrático, laico, tem que favorecer as liberdades individuais, em qualquer matéria. Independente de ser a questão do aborto, do direito a morrer ou decidir pela sua própria morte. O que o Estado deve garantir, objetivamente, são condições efetivas para a tomada de decisão. As mulheres estão formadas, esclarecidas. Ela tem acesso aos métodos contraceptivos, medidas de prevenção e cuidado. E se ela considerar que essa é a melhor decisão para a vida dela, em qualquer momento de sua vida reprodutiva, essa tem que ser a decisão. Então eu diria que essa não é uma pergunta que é a favor ou não do aborto ou da venda de acesso às tecnologias reprodutivas. A autônima da vontade e a dignidade da pessoa humana são dois valores que andam juntos. A noção de dignidade de cada um de nós pode ser um exercício. Nós não somos a favor das escolhas individuais, o conteúdo da sua escolha, mas o seu direito inalienável de escolher. Eu quero viver numa sociedade em que as mulheres não abortem ou abortem quando e como quiserem. Então, eu diria que a resposta é sobre um princípio ético na qual nós temos que guiar a democracia.

CF: A campanha da Fraternidade deste ano, com o lema “Escolhe, pois a vida – A fraternidade em defesa da vida”, trás um texto do Secretário Geral da Conferência Nacional de Bispos no Brasil (CNBB), Dom Odílio Pedro, o seguinte trecho:
“É impressionante o número de abortos clandestinos realizados todos os anos no Brasil. São seres humanos inocentes e indefesos, aos quais é negada a participação no banquete da vida”.
Porque no Brasil o aborto ainda não foi legalizado?

D: Exatamente pelo mote que você trás e que representa a Campanha da Fraternidade. O Brasil é uma democracia laica. Uma democracia que recomeça os questionamentos sobre a diversidade de grupos e a liberdade de pensamento e opinião. No entanto, a força, especialmente da igreja católica, dentro do Estado determina que algumas agendas tenham os seus marcos, e o aborto é uma delas. Objetivamente, o aborto ainda não se transformou num conhecimento de um direito humano de uma mulher no Brasil, dada a influência da moral católica religiosa no nosso governo legislativo.

CF: Dentre tantos dados interessantes da sua pesquisa, 3,7 milhões de mulheres já recorreram ao aborto e mais de 70% delas fizeram em último caso, alegando métodos contraceptivos que falharam. Nós gostaríamos que a senhora comentasse a respeito da questão da informação sobre esses métodos. Qual é e que tipo de informação chega para os brasileiros? Existe, realmente, uma política de prevenção contra a gravidez, por exemplo? Esses métodos chegam mesmo até eles?

D: Houve uma mudança significativa durante esses 20 anos, que é o período do estudo, no planejamento familiar no Brasil. Isso é uma política oficial, atenta e amplamente divulgada pelo governo. No entanto, nós não sabemos a qualidade de uso que essas mulheres fazem dos métodos. Nós podemos ter duas hipóteses desses dados: Que elas referem o uso do método contraceptivo como uma forma de reafirmar sua decisão já anterior de não ter um filho ou de fato que ela faça uso ou mau uso. Nós não temos como dizer o que acontece aí.
Agora, eu diria que as campanhas precisam melhorar, nós sabemos. Mas houve sim, uma mudança significativa nestes últimos anos.

CF: Estes questionamentos sobre os tipos de informação em relação às prevenções são muito importantes. Vemos pelas nossas discussões dentro da Universidade, onde há coisas que ainda não são bem esclarecidas. Veja um exemplo: Certa vez, em uma das nossas conversas nas reuniões do Coletivo Feminista de Campinas, comentávamos a respeito do antibiótico como agente de redução do efeito do anticoncepcional e algumas das integrantes do grupo não sabiam disso.
Isso é um tipo de informação que deveria chegar até nós, mas que não chega. E o mais agravante é que estamos dentro da universidade, que deveria ser um lugar de maior acesso à informação e que os estudantes fossem mais informados.


D: Mas nós também temos que pensar nos outros métodos de barreira. A mulher tem que negociar com o seu companheiro; A crença ainda no método natural da tabelinha. Então, é claro que você tem várias negociações deste saber, para além do que foi informado. O melhor método é a camisinha como método de barreira, mas como essa mulher negocia isso com o seu companheiro? Como ela tem acesso a este método?
Essas são questões de difíceis avaliações, de onde o fio da meada se pega. Mas mesmo com pleno acesso aos métodos, o aborto ainda é uma questão de direito reprodutivo. Mesmo a mulher com pleno acesso o método pode falhar, pode errar ou pode se confundir com o seu uso. E ela vai se ver diante de uma decisão como esta.

CF: Como Antropóloga, o que dizer em relação ao aborto pelo viés das diferenças culturais dentro do Brasil? Em relação aos diferentes modos de vida de uma comunidade indígena, por exemplo.

D: Nós não temos nenhum estudo sobre isso. Nada. Nós não temos nenhum estudo sobre parteiras tradicionais, sobre concepções rurais, sobre sociedades indígenas. Não temos nenhuma pesquisa sobre aborto no Brasil na região norte. Nenhuma pesquisa em zona rural do Nordeste. Os estudos sobre aborto foram feitos nas grandes capitais brasileiras, em centros de saúde pública. É isso o que nós sabemos. E isso diz algo de muito importante. Não é que as mulheres rurais não fazem aborto. Nós não sabemos quem são elas, como fazem, onde fazem e o que acontece.

CF: Em 2003, os Ministérios da Saúde e Educação fizeram um projeto chamado ‘Saúde e Prevenção’ nas escolas. Qual a sua opinião sobre o projeto? Você tem algum contato com ele? O Estado, como estes tipos de projetos, tem políticas suficientes para que as informações realmente cheguem até os cidadãos?

D: Eu não conheço muito bem este projeto, mas eu posso dizer sobre um outro projeto, nosso, que analisa a homofobia nas escolas e que cruza com os livros didáticos. Os Parâmetros Curriculares e os sistemas transversais tratando de questões como a orientação sexual são inovadores. Mas eles têm que negociar com matrizes religiosas o tempo inteiro, muito embora seja uma ação política do Estado no campo da educação, portanto um Estado laico, um Estado que não reconhece a anterioridade do fato religioso. Todo o documento tem que negociar com uma idéia de que a verdade sobre a sexualidade está na família, na religião. Então, o que nós temos que lançar é a pergunta: Porque a sexualidade é uma verdade que não está no Estado? Claro, pode estar em cada um de nós. Mas porque está na religião? E não no Estado e na execução de suas políticas?

CF: Pensando nesta sua última colocação, como efetivar uma pesquisa como a sua, que tenta tratar do aborto de forma imparcial, mesmo sabendo que é questão que não é vista desta forma?

D: Está tudo impregnado. Você abre um resumo e vê: ‘Abortamento’. Você já sabe de que lado o sujeito está. ‘Interrupção da Gravidez’ Você já sabe de que lado ele está. A escolha dos termos importa. O uso dos adjetivos importa. Não há um debate científico neutro. Não que exista neutralidade, mas há ainda, em grande parte dos pesquisadores sérios, uma aposta nesta neutralidade, neste senso da comunicação científica onde o aborto se explicita. Quanto mais imparcial for, é melhor. E isso é um fator complicador para o debate, pois você precisa acessar evidências confiáveis. A Pesquisa Científica passa pelo treino de suas pré-concepções no campo do aborto. E isso é uma grande dificuldade.

CF: Em relação aos meios de comunicação, como a Televisão, por exemplo, nós assistimos uma entrevista sua sobre a questão do aborto, pela Rede Record, que nos deixou curiosas para entender o porquê de um canal de televisão, altamente religioso como este, ter interesse numa pesquisa como esta.

D: Mas eles têm uma premissa da liberdade e da vontade. Eu perguntei exatamente isso quando a entrevista terminou. Mas como? Eles têm uma máxima: A autonomia da vontade.

CF: Voltando para a questão dos meios de comunicação em geral, o que eles dizem sobre o aborto? Como eles tratam desta questão? Já existe um espaço para este tipo de discussão?

D: O impacto destes meios nas últimas décadas foi tremendo. Eles são os invasores das capitais brasileiras, em quase todas as televisões. Porém, é muito difícil dizer qual é a agenda da mídia sobre isso. No campo das células tronco eu poderia dizer que foi uma agenda favorável a um debate sobre a liberação de princípios. Já do aborto, é muito tênue. A igreja tem muita força. As células tronco não, a questão vinha com um espaço solitário, em meio ao fundamentalismo. O aborto é um debate muito dividido.

CF: Uma das últimas notícias sobre a questão do aborto na mídia foi que a justiça do Mato Grosso do Sul processou quase 1.000 mulheres, por terem praticado o aborto em clínicas clandestinas. Algumas dessas mulheres já foram condenadas, prestando serviços comunitários em creches de cidade.

D: Isso é tortura! Na verdade, há vários equívocos neste caso. O primeiro é que o prontuário é documento dessa mulher. O Estado não tem direito à invasão da intimidade. E o promotor não solicitar a pesquisa deste prontuário, para investigação (só ele podia ter acesso), é uma quebra de privacidade fundamental. Segundo uma presunção de que todas essas mulheres eram infratoras da ordem penal. Não foram 9.922 mulheres que realizaram aborto. Buscou-se toda a história da clínica para dar investigação a presunção de que todas cometeram alguma infração.
Outra questão: A assistência ginecológica é um momento do encontro das mulheres com suas médicas e de troca de muitas confidências. Essa assistência é o momento de encontro sobre sexualidade, sobre medos, sobre planos, desejos etc. Imagine o estrago na ordem do sistema sanitário, por exemplo. Você coloca em ameaça. Se as mulheres, os homens, as pessoas forem ao sistema de saúde com medo do que se diz, se o que anota no prontuário vem a se tornar público um dia, sobre uma presunção indevida de crime, as pessoas vão mentir. Imagine o que significa, uma pessoa que faz uso de algumas práticas de risco, omitindo isso para o seu cuidador que precisa desta informação para melhor cuidar dela. Ela está com medo de que aquilo possa ser usado contra a sua pessoa.
Essa é uma atitude irresponsável do Estado, com graves conseqüências para o sistema de saúde.
Uma coisa é desbaratar uma clínica privada e prender os seus dirigentes. Porque é crime. Está no código penal. Porém, uma coisa é investigar todos os prontuários outra coisa é você prender quem, naquele momento, esteja cometendo um crime. Isso já tinha acontecido. É uma grande infração dos direitos fundamentais, como os direitos da privacidade, da intimidade. Imagine uma mocinha falando dos seus desejos ou uma senhora falando de seus não-desejos e aquilo se tornar público!

CF: A senhora tem algum medo ou receio por este trabalho?

D: Você tem que ter dois medos na vida: Quando você não é ninguém, mas quanto mais forte você fica, mas difícil é o embate. Nós já passamos um tempo aqui na ANIS em que tínhamos muito receio. Nós recebíamos ameaças, cartas anônimas, pessoas na porta ameaçando. Mas isso já acabou. Porque agora nós não somos mais alguém começando a fazer barulho. Então, eu diria que essa fase já passou. Mas nós sempre respondemos dentro da lei. Nos ameaçavam, nós entrávamos com uma ação de ameaça. Nos faziam uma escuta telefônica, nós entrávamos com uma ação com a Polícia Federal. Nós temos quase uma dezena de ações, mas acabou. Porque agora estão mexendo com quem têm condições de responder. Quando nós começamos há dez anos atrás, não, era muito difícil, todo mundo era mais jovem. Nós começamos a responder seriamente como deveria ser, com justiça. Então ganhamos todas as ações e acabou.

CF: Por curiosidade, qual a sua opinião em relação ao papel do homem sobre o aborto? Será que o homem terá interesse na sua pesquisa? Ele é atuante nesta discussão?

D: Nós não temos nenhum estudo. Há algumas indicações que mostram que no caso do Cytotec são eles que compram. Os que traficam Cytotec no Brasil também são homens. Nós vamos iniciar uma pesquisa, financiada pelo CNPQ, sobre o tráfico de Cytotec no Brasil e nós vamos chegar nos traficantes presos. Nós queremos ver que mundo é esse que as mulheres procuram, por meio deles. Nós não temos nenhuma mulher presa por tráfico de Cytotec. Até hoje, nós não localizamos. São homens e nós queremos chegar neste universo da compra, da aquisição, quem faz. Queremos chegar em todo o processo decisório, por meio dos traficantes. São sujeitos indiciados, então nós não temos como melhorar a vida deles, mas a nossa escolha foi por aí. Eu não consigo chegar em uma boca de venda, com a segurança que eu precisaria. Hoje em dia, eu sou uma evidência ambulante para quem quiser colocar uma mulher na cadeia, dado que eu sempre estou chegando no cenário do aborto. Então eu só posso fazer pesquisa hoje que esteja protegida pela legalidade.

CF: Na verdade, em relação ao papel do homem em geral, do cidadão, é que gostaríamos de saber qual a sua opinião. O que você pensa sobre isto? O homem participa destas discussões?

D: Estes estudos, para mostrar o perfil da mulher, são dados muito genéricos. Nós não temos estudos sobre isso. Nós não sabemos se essas mulheres sofrem ou não. Eu não sei quem ela é, no seu sentido biográfico. Eu não sei nada dos homens. A única indicação é isso, sobre a compra do Cytotec. Se ele impõe, se ele apóia, eu não sei.

CF: É interessante pensar sobre a própria palavra ‘genérico’ dentro da questão do aborto. Não há como deixar de lado a diferença de classe, por exemplo. Não há como falar em aborto sem tratar desta questão. Quais mulheres que têm condições de pagar um aborto? E as que não têm, como fazem?

D: Até porque em clínica privada eu ainda não cheguei. No Mato Grosso era R$ 5.000 reais o aborto mais seguro e em 3 horas a mulher já estava em casa. Quem tem este dinheiro? Eu não sei como as ricas fazem aborto, eu sei como as pobres, que começam com o Cytotec e terminam no SUS.

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