DIA DAS MÃES E O AMOR MATERNO COMPULSÓRIO

Todo início de maio somos bombardeadas/os por propagandas relacionadas ao DIA DAS MÃES. Essas propagandas suscitam uma série de questões para discussão, mas nos restringimos a uma que consideramos fundamental debater: a questão do amor materno.
O modelo de família perfeita veiculada pela mídia é pai, mãe, filhos coabitando harmoniosamente. Famílias monoparentais, homossexuais, casais sem filhos “desaparecem”. Nesse contexto todas as mulheres tornam-se mães (de fato ou em potencial) ao ponto de algumas propagandas falarem em “mês das mulheres”. O que as une, independente de terem filhos ou não, é um sentimento, quase um instinto: o amor materno. Amor incondicional, pretensamente inato, trans-histórico e universal.
Apesar de desacreditado em muitos meios, a idéia de “instinto materno” continua fortemente arraigada no senso comum. A existência do amor materno é tida como um fato da natureza, incontestável e indiscutível. As mulheres, tal como pretensamente acontece no reino animal, não só concebem o filho, mas também instintivamente, zelam por sua sobrevivência.
Subjaz a essa idéia de instinto materno uma concepção de “essência feminina”. Dentro dessa concepção, a natureza precede o social e o organiza. Assim, não são relações sociais que engendram relações hierárquicas e papÉis distintos entre homens e mulheres, mas a natureza. Ao negar o caráter social dessas relações, perde-se a dimensão de transformação, pois se são relações dadas pela natureza, elas tornam-se imutáveis. Nesse sentido, estaria inscrito na natureza feminina um conjunto de características tais como a doçura, a submissão, a maternidade etc e por caberiam às mulheres determinados papéis. No caso da maternidade, para além da gestação e amamentação, cabe-lhe o cuidado dos filhos. Aos homens, o espaço público, às mulheres, o lar e a maternidade. E por mais que essa concepção tenha se alterado - e o movimento feminista teve um papel importante nessa transformação – e que o trabalho feminino fora de casa seja algo quase que plenamente aceito, ainda são as mulheres as responsáveis pela realização das tarefas domésticas e pelo cuidado dos filhos. Os pais podem até, em alguns casos, AJUDAR as mães a exercerem a sua função, mas esta continua sendo sua obrigação.
Contudo, o fato de ser progenitora não implica necessariamente nenhum sentimento de amor. É claro que a convivência e a cumplicidade cotidianas podem gerar um sentimento forte entre mães e filhos, mas esse sentimento poderia ser despertado em qualquer um, independente do gênero, que participasse de maneira ativa e emotiva da educação de uma criança. De qualquer modo, é preciso frisar que o amor materno não é um dado universal e trans-histórico de uma suposta “natureza feminina”.
Elisabeth Badinter mostra em Um amor conquistado: o mito do amor materno que no século XVIII, por exemplo, a maioria das crianças francesas, mesmo as de camadas populares, era “retirada” do convívio familiar e amamentada e criada por uma “ama mercenária”. O sentimento de indiferença com essa criança que nascia era uma constante e plenamente aceito por aquela sociedade.
Mas não é necessário ir tão longe. Basta uma observação nada sistemática para perceber que hoje o amor materno também está longe de ser universal. Não é nada incomum mães rejeitarem os seus filhos logo após o nascimento ou desenvolverem esse sentimento ao longo dos anos. Quantos casos conhecemos de sentimentos de indiferença e rejeição de mães pelos seus filhos? Quantas pessoas já não ouviram de seus pais que preferiam que elas não tivessem nascido ou que sua vida seria melhor sem eles? Mas as pessoas não se surpreendem e se indignam diante da omissão ou desprezo do pai pelo filho. Mas a recusa de um filho por uma mãe é considerada uma aberração da natureza.
Muitas são as famílias que não se encaixam no modelo pai-mãe-filhos sob o mesmo teto vivendo harmoniosamente como nas propagandas de margarina. O modelo de mãe dona de casa e com dedicação exclusiva aos filhos e ao marido é cada dia mais incomum e cresce cada dia mais o número de mulheres que optam por não ter filhos. E apesar do desmonte do tradicional modelo familiar, continua-se tentando conservá-lo a qualquer custo.
Não se trata aqui de uma condenação ao amor materno, mas de uma condenação à sua obrigatoriedade, ao seu caráter compulsório, ao seu pretenso caráter natural. O problema é quando se considera que esse sentimento deva existir obrigatoriamente . Quantas mulheres não abriram mão de seus planos para gerar filhos que elas não desejavam ter e encarnarem o papel de mães dedicadas? Não se pode cobrar de uma mulher que ela ame incondicionalmente seu filho a não ser que consideremos que esse sentimento é anterior à vinda da criança e independe da presença da mesma.
A idéia de “instinto materno” serve muito bem aos interesses de nossa sociedade machista interessada em perpetuar hierarquias e papéis de gênero. É muito fácil estabelecer que por natureza mulheres devem ser destinadas a desempenhar determinadas funções. É preciso lutar contra a tendência das ciências biológicas de tentar explicar construções sociais através de fatores genéticos, pois estas servem, muitas vezes, como base para justificação não só das desigualdades de gênero como também étnica. É preciso combater a idéia de essência feminina e todas as suas manifestações. Combater a educação sexista que inculca papéis de gênero nas crianças desde a mais tenra idade; combater a idéia de maternidade obrigatória; contra essa sociedade que diferencia e hierarquiza as pessoas a partir da genitália.
Lutamos pelo direito da mulher decidir se quer ter filhos, quantos e quando tê-los. E por isso é tão importante a vulgarização dos métodos anticoncepcionais e a legalização do aborto.
Esperamos um dia comemorar esse dia com todas as mulheres que tiveram a opção de ter ou não filhos.

Coletivo Feminista

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