Assassinato de Eloá

Escrevo este breve texto não para julgar a ação da polícia, mas para demonstrar o quanto ainda persiste na sociedade, e, portanto, em suas instituições, concepções patriarcais de gênero. Concepções estas nas quais as mulheres são entendidas como objetos de propriedade dos homens, sejam eles pais, irmãos, namorados ou maridos. Ao não aceitarem a subordinação mulheres tem de enfrentar homens que se consideraram seus proprietários mesmo nunca tendo havido um consentimento para tanto.
Foi o que aconteceu com Eloá, a jovem assassinada por Lindenberg, seu ex-namorado. O mesmo não aceitando a separação e a possibilidade de perder para outro homem o que considerava por direito- natural ou divino- ser sua propriedade resolveu por elimina-la.
Como se não bastasse esse assassinato ser a expressão mais cruel do desejo de dominação de alguns homens sobre mulheres, o comandante da operação ainda fornece outra indicação de como a operação policial, sob seu julgo, corroborou com as concepções machistas/ patriarcais compartilhadas por Lindenberg e parte da sociedade. Ao explicar, em entrevista coletiva à imprensa, o motivo de ter optado por não aplicar o “tiro de misericórdia” - prática de ação policia em casos em que a negociação não progride e a vida das vítimas se encontra em risco - o comandante colocou que se tratava de “um rapaz jovem de 22 anos sem antecedentes criminais e que havia sofrido uma decepção amorosa”.
Vejam, a violência de gênero, ou seja, violência cuja causa e intento é a subjugação das mulheres, é colocada como externalização de uma decepção amorosa. O assassino é considerado um rapaz bom que teve uma decepção amorosa. A “decepção amorosa”, ou defesa da honra, justifica o crime. Quer dizer: ele está certo em querer cobrar a mulher que o deixou e o comandante da operação parece o entender, como se colocando no lugar dele: não o condenarei, pois talvez em situação similar agisse como ele. A culpada ao fim da história passa ser a vítima.
O crime de adultério, embora não mais presente no código penal, parece ainda ser celebrado. O tratamento dado ao episódio tem por base as idéias que subjazem à reivindicação de um crime de adultério. E nesse sentido, esse trágico caso é exemplar de como ainda a sociedade não está livre dessa opressora idéia de que a mulher deve ser propriedade do homem.
Camila Firmino - integrante do Coletivo Feminista

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