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Bathing Women - Tamara de Lempicka,1929. |
“Eu
gosto de mulheres, eu sou sapatão, eu sou sargento, fanchona, lésbica, eu colo
o velcro, eu gosto de colocar as aranhas pra brigar.” (trecho do filme A Partilha, 2001).
Esse
pequeno trecho que inicio minha fala foi retirado do filme A partilha em que a atriz Paloma Duarte é uma das protagonistas e
sai do armário assim, aos gritos, como um peso tirado das costas de suas
amarras familiares. Quando assisti ao filme tinha 17 anos e meus olhos
brilharam, meu coração acelerou e percebi que aquelas eram as palavras que eu
queria pronunciar no meu seio familiar. Esse arrebentar das portas do armário
protagonizado por Paloma Duarte acontece quando suas outras 3 irmãs (Lilia Cabral,
Glória Pires e Andrea Beltrão) a questionam sobre sua sexualidade.
Bom,
quando tinha meus 17 anos já me sabia lésbica, porém com milhares de medos de
dar pinta e me denunciar. Só consegui chutar as portas do meu armário e romper
o véu dos amores fantasiados e platônicos quando entrei na universidade. Foi necessário
sair de casa, estar com pessoas maravilhosas ao meu redor para que me sentisse
a vontade em ser o que sou e construir minha identidade própria, com acertos e
erros. Foi na universidade que aprendi e percebi a importância de se lutar para
que eu e outras mulheres e homens pudessem ser aquilo que desejassem ser. Logo em 2004 participei de um grupo autônomo
chamado: “Diversidade: pela livre expressão da sexualidade humana”, formado por
alunos de diversos cursos da Unicamp, mas que tinha em sua composição maior
parte de homens. (Éramos poucas mulheres, bem poucas...). O grupo existiu até
2005, pois como grande parte dos grupos universitários autônomos, há uma série
de dificuldades em fazê-los seguir adiante. Em 2005 já sabia da existência do
Coletivo Feminista e decidi me juntar àquelas mulheres e nunca mais deixei o
grupo! Nessa trajetória é que percebi a importância de fazer uma luta feminista
emancipatória e que essa luta não deveria se restringir às mulheres e sim à pessoas
que não tem a liberdade e muitas vezes nem a escolha de ser, de estar, ou mesmo
a escolha de escolher serem/estarem o que desejavam ser.
Percebi
que comecei a lutar pelo meu direito de ser mulher feminista, mulher lésbica,
mulher gorda, e poder ser uma mulher pública, pois sabia que tinha um lugar com
que eu pude contar para lutar essa luta privada e torná-la pública e política e
esse lugar tem sido o Coletivo Feminista.
Já
li e ouvi dos maiores absurdos utilizados para justificar o fato de mulheres
serem lésbicas:
Mulheres são lésbicas porque sofreram algum
tipo de trauma ou violência sexual; mulheres feias, gordas, mal amadas, mal
comidas se tornam lésbicas, e assim seguem propagando barbaridades. Esses
absurdos caminham lado a lado com outros tipos de preconceitos em relação à
mulher lésbica, como: lésbicas precisam mesmo é de um homem de verdade (ou seja
de um pênis) para perceberem que estão enganadas sobre sua sexualidade – e acreditando
nisso muitos homens no Brasil e em outros lugares do mundo estupram lésbicas
como nós dizendo que estão nos dando uma lição!?! O estupro corretivo é a
violência contra a mulher no seu limite mais hediondo e ele é praticado, pois
ainda temos no nosso mundo os espaços de mulheres e os espaços de homens, onde
às mulheres é desejado que sejam submissas ao varão, que não fale em público,
que não exponha em público nem torne político o que acontece no seu privado, e
nisso muitas vezes a violência e a sexualidade ficam silenciadas.
Na
África do Sul há um “surto” de estupro corretivo e por ano são 500mil casos.
Essa violência é aceita socialmente, ou seja, pelo fato de pessoas acharem que
isso é certo, que é uma forma de “curar” a homossexualidade (que não tem cura porque
não é doença!) feminina e que é uma forma de evitar que meninas “virem”
lésbicas, os poucos casos que são denunciados não são julgados e quando chegam
nessa instância os policiais humilham tanto essas mulheres a ponto de não
quererem levar nenhum tipo de denúncia pra frente. E não achemos que no Brasil
estamos numa situação diferente, pois no ano de 2011 veio a tona uma comunidade
no Orkut defendendo o estupro corretivo como uma questão de AMOR!?! ESTUPRO E AMOR NÃO COMBINAM EM HIPÓTESE
ALGUMA!! ESTUPRO É CRIME e tem que
ser denunciado, a mulher que passa por essa situação tem que ter apoio e
acolhimento e não passar por humilhações e julgamentos de conduta.
Outro
preconceito que gostaria de mencionar é do mito
de que não existe violência entre casais lésbicos – afinal, diriam os
conservadores, duas mulheres juntas nem poderiam ser um casal, quanto mais protagonistas
de violência doméstica. Pois bem, mulheres lésbicas não estão fora da sociedade
e compartilham dos mesmos códigos sociais, e muitos casais reproduzem o modelo
de relação heteronormativa, ou seja, reproduzem comportamentos esperados para
homens e mulheres, e assim pode existir violência entre casais do mesmo sexo,
lembrando que violência não é só a física, é também a psicológica, a moral e a social
e nesses casos tem que denunciar!
Tem
outro ponto que gostaria de abordar: Saúde Lésbica
Há
vários casos de mulheres lésbicas, quando vão aos ginecologistas, são obrigadas
a ouvir: “Por que você quer fazer preventivo se você é lésbica?” ou ainda: “relações
entre lésbicas não são consideradas relações sexuais completas, portanto você
não precisa fazer o preventivo” o que é uma falácia, pois estamos expostas a
várias doenças como o HPV que é detectado pelo preventivo que é um direito de
toda mulher tendo ela vida sexual ou não! Quando temos problemas de atraso
menstrual ainda ouvimos: “Pra que você quer menstruar se não pode ter filhos?”.
Bom, DST’s e AIDS – as lésbicas também correm esse risco, já que secreção
vaginal e o sangue são veículos para transmitir as doenças sexuais. Tem também
a questão do câncer de mama – pois muitas lésbicas escolhem não exercer a
maternidade – como muitas mulheres, independente da orientação sexual – e alguns
estudos afirmam que o fato de não estimular as glândulas mamárias pode
facilitar o aparecimento desse tipo de câncer. Portanto falar de saúde da mulher lésbica é nos tornar visíveis
socialmente, inclusive para o Estado, portanto não podemos aceitar a ignorância
e o descaso médico em relação à nossa sexualidade! Denuncie os médicos que tem estes tipos de conduta!
Movimento
LGBTT e o machismo intrínseco:
Em
relação ao próprio movimento LGBTT e a reprodução do machismo dentro do
movimento: podemos observar que isso acontece quando se resume às lésbicas e
outras mulheres em sua condição natural de mulher, usando o termo “racha”, por
exemplo. Ou mesmo quando se reproduz os estereótipos machistas da sociedade em
relação às lésbicas ao afirmar “sapatão não sabe se divertir”, “lésbica é tudo
brava e nervosa” ou “sapatão só gosta de mpb”. Há que se realizar o exercício
de combater o machismo inerente a nossa cultura em relação a mulher e que se
reproduzem nos micro espaços, inclusive na delimitação dos espaços públicos e
políticos, como lugar para os homens se manifestarem e tomarem à liderança dos
lugares. Nós mulheres temos que nos posicionar também, falar de política e
fazer política também.
A
questão do fetiche em relação a duas mulheres juntas, como se elas só o
estivessem ali para entreter os desejos masculinos:
O
fato de estarmos numa sociedade patriarcal e androcêntrica que busca manter as
relações de poder que privilegiam homens brancos e heterossexuais faz com que
grande parte do imaginário masculino esteja permeada pela fantasia de que duas
mulheres ou mais os tem que satisfazer sexualmente e, portanto duas mulheres lésbicas
só o são para provocar, se insinuar para os homens. Ao andar na rua vejo os
homens olhando para mim e minha companheira, não podemos dar as mãos que eles
já nos olham, não podemos sentar juntas no ônibus e deitar uma no ombro da
outra depois de um dia exaustivo que os olhares perversos já nos seguem. Ser
lésbica não tem nada a ver com isso, não, não queremos que um homem venha
resolver nosso problema, pois não há problema na vida e no sexo que praticamos.
Já fui constrangida várias vezes em espaços da universidade também, por estar
me relacionando publicamente com outras mulheres. Muitos homens acham que tudo
gira em torno de si, do falo e de suas taras. Já presenciei momentos em que
mulheres, colegas de turma, se experimentavam de diversas formas junto a outras
mulheres e grande parte das vezes eram atravessadas por boçais que acham que
tudo se resume ao pênis e sua existência.
Portanto
falar de visibilidade lésbica é impossível sem falar do sistema em que vivemos
e sem problematizar o lugar das mulheres na nossa sociedade. É impossível
pensar na invisibilidade lésbica sem pensar no machismo e nas relações
desiguais de gênero. Tornar a mulher lésbica visível só será possível se
desnaturalizarmos e superarmos as relações desiguais existentes na nossa
cultura, no Estado e no nosso cotidiano. Encerro com um trecho do manifesto
escrito em 2009 pelo Conselho Federal de Serviço Social:
“Afirmar-se lésbica é uma identidade
política que transcende “a identidade sexual” e, portanto, constitui uma ação
política para desconstrução da heterossexualidade compulsória e da heteronormatividade
que se manifestam, por exemplo, na imposição da maternidade como obrigação e
não como opção; (...) a heterossexualidade obrigatória afirma-se cotidiana e
sutilmente em diferentes dimensões da vida social naturalizando a
invisibilidade e a vivência da lesbianidade entre quatro paredes.” (http://pt.scribd.com/doc/74271532/visibilidade-lesbica)
Luciana
Ramirez (Lésbica,
feminista, integrante do Coletivo Feminista da Unicamp e mestranda em
sociologia/UNICAMP).